TEXTO ESCRITO POR: Xavana Celesnah
O filósofo alemão
Friedrich Nietzsche tem uma frase que diz: “o ser humano chega à sua maturidade
quando encara a vida com a mesma seriedade que uma criança encara uma
brincadeira”. Pode parecer contraditório, mas na verdade o pensador está
relacionando a seriedade ao comprometimento, pois a criança ao brincar está
envolvida, atenta e responsável pelas suas atitudes. Estamos acostumados a
separar o “sério” do “lúdico”, como se brincar não envolvesse um certo nível de
seriedade. Essa é uma crença limitante que as escolas, faculdades, cursos e
instituições de ensino em geral estão acostumadas a propagar: a brincadeira
está restrita ao universo infantil e a vida adulta deve ser encarada de maneira
séria, no sentido de desprovida de ludicidade e imaginação.
A educação formal tem
contribuído há gerações para a formação de adultos sisudos, incapazes de se
envolver com atividades que os levem a brincar. Até uma certa idade, as
atividades lúdicas fazem parte da aprendizagem nas escolas e colégios, mas
passada a fase da educação infantil, brincar só é permitido durante o recreio.
Em seguida, aos estudantes que estão se preparando para o ensino superior, é
ensinado que deve-se focar no objetivo da aprovação nas provas e que as
brincadeiras já não têm cabimento para sua faixa etária. Como estamos muito
acostumados com esse tipo de perspectiva nas escolas e na sociedade,
consideramos natural que vamos deixando de “brincar” com o passar dos anos. Mas,
será que esse comportamento é natural ou o reflexo do condicionamento social a
que fomos expostos?
Provavelmente, é uma
resposta ao condicionamento. É tanto que grandes empresas como o Google, a
Microsoft e o Facebook têm aderido ao conceito “Work & Play” no intuito de
resgatar o lado lúdico em seus funcionários. A ideia é incluir ambientes
divertidos dentro do escritório para que os funcionários possam se permitir
momentos de brincadeira e relax. Para isso, dispõem de mesas de sinuca e
ping-pong, videogames, salas com redes e poltronas confortáveis, tobogãs e até
mesmo drones para que os colaboradores possam se divertir.
As empresas que
investem nesse tipo de conceito sabem que, ao brincar, as pessoas entram em um
estado mental prazeroso, onde ao mesmo tempo que relaxam também estão atuando
com atenção plena, mas sem gerar tensão. E, por incrível que pareça, nesse
estado mais relaxado da mente surgem muitos insights. Lembram do físico
Arquimedes? Foi num momento de relax, ao tomar banho numa banheira que ele
sacou o conceito do empuxo e saiu gritando ‘Eureka! Eureka’! Bom, um banho de
banheira pode até não ser exatamente uma brincadeira coletiva, mas não deixa de
ser um momento lúdico.
Assim como as
empresas do Vale do Silício têm ousado investir na brincadeira para melhorar a
saúde e a imaginação dos seus funcionários, também é possível trilhar um novo
caminho na educação escolar. Para inovar, a gestão pedagógica pode valorizar
mais o lúdico para aprimorar o aprendizado dos alunos, pois sem brincar a transmissão
do conhecimento muitas vezes acaba ficando mecânica e entediante, afastando o
interesse dos alunos.
Não é à toa que
existe uma concepção generalizada na nossa sociedade de que a educação é um
processo penoso. Quantas famílias continuam usando a expressão “dever de casa”
para se referir às atividades e exercícios que os estudantes levam para fazer
em suas residências? Expressões como essa trazem implicitamente a conotação de
“obrigação”, da atividade como um dever e, portanto, desprovida de prazer. A
perspectiva social a respeito da educação precisa ser modificada para que as
crianças, adolescentes e estudantes de ensino superior possam associar
aprendizado e entusiasmo.
As atividades lúdicas
na educação têm esse papel transformador. Através delas, é criado um ambiente
de alegria capaz de gerar nos estudantes um novo ponto de vista sobre a
aprendizagem. Mas, o que são exatamente essas atividades lúdicas? De acordo com
um dos maiores pesquisadores da pedagogia infantil, Jean Piaget, elas são um
conjunto de ações que incluem o jogo, a brincadeira e o brinquedo. O jogo
possui regras e objetivos; a brincadeira não necessariamente, pois pode ser
feita independente de regras, como brincar com carrinhos, bonecas, pintar,
desenhar. E o brinquedo é o objeto com o qual se brinca.
As palavras do
pedagogo alemão Friedrich Froebel ressaltam a importância do brincar para a
formação de adultos mais afetuosos: “a brincadeira é a atividade espiritual
mais pura do homem neste estágio [na infância] e, ao mesmo tempo, típica da
vida humana enquanto um todo – da vida natural interna no homem e de todas as
coisas. Ela dá alegria, liberdade, contentamento, descanso externo e interno,
paz com o mundo. A criança que brinca sempre, com determinação auto-ativa,
perseverando, esquecendo sua fadiga física, pode certamente tornar-se um ser
humano determinado, capaz de auto-sacrifício para a promoção do seu bem e de
outros. Como sempre indicamos, o brincar em qualquer tempo não é trivial, é
altamente sério e de profunda significação”.
Nesse sentido, a
diversão favorece o aprendizado, ajudando na integração corpo/mente, no
desenvolvimento da criatividade, na socialização, além de causar uma sensação
de bem estar aos alunos. Através de jogos, músicas, histórias, brincadeiras, as
atividades lúdicas são vivenciadas nas escolas, ficando gravadas na memória
como momentos felizes. Os alunos sentem-se motivados a continuar envolvidos em
jogos e brincadeiras, mesmo que estes tenham uma proposta didática.
Por meio desse tipo
de prática, o movimento passa a ser incorporado no processo de aprendizado.
Afinal, nem todas as habilidades corporais podem ser trabalhadas nas aulas de
educação física. Os movimentos corporais que surgem espontaneamente durante a
execução das brincadeiras aperfeiçoam as dimensões das habilidades motoras
(força, flexibilidade, equilíbrio, coordenação, lateralidade), das habilidades
sócio-comportamentais (desinibição, afetividade, socialização, compaixão,
respeito) e das habilidades expressivas (dicção, ritmo, dramaticidade).
Os jogos e
brincadeiras despertam muitas dessas habilidades, uma vez que trazem atividades
psicomotoras, dinâmicas e em grupo. Inclusive, um dos maiores pontos positivos
das atividades lúdicas na educação é a capacidade de gerar socialização,
integração e gerenciamento de conflitos que podem surgir em jogos competitivos.
Contribuindo, assim para o amadurecimento afetivo e para maior integração entre
os alunos, que muitas vezes estão tão acostumados a jogar sozinhos em celulares
e tablets que desaprenderam a interagir.]
Começar uma aula com
um aquecimento, uma prática em grupo ou incluir jogos para desafiar o
aprendizado trazem motivação para a turma. Claro que cada faixa etária pede as
atividades específicas para aquela idade. Por exemplo, crianças que estão
aprendendo a ler podem gostar de montar palavras a partir de letrinhas avulsas;
para as já alfabetizadas o jogo que envolva a leitura de “trava-línguas” sem
errar a dicção se torna um bom desafio. A confecção de brinquedos (como
caleidoscópios feitos com materiais não cortantes, petecas, chocalhos, bolas)
também é uma atividade lúdica importante, capaz de estimular a criatividade e a
autoestima. Afinal, construir um objeto é desafiador e leva a criança a
reconhecer seu próprio esforço para elaborar o brinquedo.
Algumas brincadeiras
para desenvolver habilidades específicas:
1. Equilíbrio: estátua, bambolê.
2. Criatividade: pintar, desenhar, fazer
esculturas com massinha de modelar.
3. Raciocínio lógico: montar origamis;
brincadeira da “forca”, onde o objetivo é acertar a palavra; jogo da velha;
jogo de memória; dama; xadrez. Socialização: esconde-esconde, pega-pega, caça
ao tesouro.